terça-feira, 12 de maio de 2009

ENSAIOS

7 comentários:

  1. O teatro de José de Anchieta uma forma pedagógica

    Ana Claudia Carvalho Costa


    Esse ensaio destina-se a analisar mais intimamente, a obra, “O Auto de São Lourenço” (1587) ,de José de Anchieta, abrangendo principalmente o teatro alegórico, a temática religiosa e moral e a concepção teocêntrica do mundo.
    Primeiramente, partir do princípio que Anchieta era um missionário, é fato, e em suas obras não serão encontradas características da literatura clássica renascentista. Seus escritos tinham a função pedagógica e didática voltada exclusivamente para a catequização dos selvagens que aqui habitavam. A utilização da simplicidade de expressão que era abordada em suas obras, especificamente nos autos destinava-se a uma fácil interpretação por parte dos índios, onde o intuito de deixar explícito as forças do bem e do mal, personificados em anjos e demônios , o que facilitou a eficiência comunicativa.O termo “auto” originou-se por meio de quadros que ficavam expostos nas portas das igrejas,e com o passar do tempo, foi incorporados o diálogo e a sucessão de quadros e cenas.¹
    A forma cênica utilizada era muito simplista, os atores, normalmente eram os jesuítas, colonos e índios, e a presença da mulher não era permitida, o cenário comumente usado, eram as praias. ² O espetáculo conta com uma participação maciça da platéia, interagindo através do canto e da dança, e não são apresentado fatores temporais, os temas abordados normalmente circundavam entre a luta contra os franceses, cenas nativas e a constante batalha do bem
    contra o mal, o entretenimento era um facilitador para a conversão indígena. ( A.Bosi, História Concisa, pág.26).
    A falta de recursos cênicos avançados foi substituída por truques de encenação bem criativos, onde, para representar a lua, um índio suspendia ao fundo do palco improvisado, e para representar o vento, outro índio enchia suas bochechas de deus Eolo, soprava com a cabeça fora do pano servindo de bastidores e um rancho de diabos vermelhos rolava no tablado, no final da apresentação aonde acontecia a procissão, entravam no palco 12 curumins que em seus cantos pediam proteção, e agradeciam as bênçãos divinas.
    A Anchieta pode- se atribuir o uso do cateretê, dança indígena muito utilizada nas festas católicas e resgatada para o auto de São Lourenço, momento em que a bugrada dançava textos cristãos, escritos no tupi. Infelizmente não temos relatos históricos que retratem a música utilizada no auto, mas Guilherme de Melo ( autor da primeira história da música brasileira), afirma que os autos influenciaram em nossa formação musical “ representam entre nós não só a criação do primeiro teatro nacional, mas ainda a primeira exibição de arte musical brasileira, baseada no sistema diatônico e cromático dos povos cultos".
    Outro ponto presente no auto de São Lourenço, é o fator que os idiomas comumente usados eram o tupi,e o português e o espanhol.
    O cenário do Brasil-Colônia não possibilitava que, como acontecia na Europa, o texto fosse todo em latim. Sendo assim, fica-nos mais visível a razão de Anchieta chegar a utilizar em seus autos até mesmo quatro idiomas: o latim, o português, o espanhol e o tupi, maneira direta de atrair o público dos missionários, os indígenas. (RUCKSTADTER, 2005, p. 27)
    O tupi era comumente utilizado para representar o mal, que por sua vez sempre tinha como seus personagens figuras indígenas, os cantos e louvores apareciam no português, representados por anjos ou santos do catolicismo.
    A utilização de costumes indígenas nas peças teatrais era um facilitador para a aproximação do índio com a cultura cristã, ponto crucial para os jesuítas, devido o teocentrismo ser um dos fatores da base catequética, passar a idéia da onipotência divina, que Deus tudo sabe e tudo vê, e que tudo foi criado por Ele, se não fosse por intermédio dos autos representativos, seria muito difícil o entendimento por parte dos índios, pois Anchieta teve um trabalho exaustivo, de traduzir para o tupi palavras que faziam parte do idioma português e espanhol.
    José de Anchieta inspirou-se no teatro medieval ibérico, para escrever seus autos, a moralidade e os mistérios era o ápice no auto representado, a simplicidade da peça, se opõe a um paradoxo, um fator mais moderno, tendo em vista que a participação do público, não era um fator comumente presente, no estilo clássico da época.
    O auto de São Lourenço é um diálogo entre o bem, representados pelos anjos e santos, e a forças do mal, representados por figuras indígenas e imperadores romanos adeptos a práticas pagãs, maniqueísmo puro. Uma forma muito simples de ver o mundo; dividi-lo entre o bem e o mal, e impor aos índios, apenas o certo e o errado dentro dos conceitos cristãos europeus, [... Anchieta (...) uma poesia e um teatro cujo correlato imaginário é um mundo maniqueísta cindido entre forças em perpétua luta “(Bosi, 1994, pg.67), era assombrar o índio com a idéia que toda a crença que tinham em seus costumes, era pecado, ou pior demoníaco, explicitamente exposto no auto, quando os personagens diabólicos eram nada mais nada menos, que Guaixará, Aimberê, Jaguaruçu e Saraiva, personagens com nomes de índios tamoios. Um fator histórico, importante para o entendimento do Auto de São Lourenço, eram as invasões dos franceses que ocorriam no Rio de Janeiro, fato presente no auto, sendo que os diabos, intitulados por nomes de representantes da tribo tamoio, eram aliados dos franceses, sendo esse o contexto do auto, a expulsão dos diabos da aldeia, tem uma ligação com a realidade histórica, da expulsão dos franceses do Rio de Janeiro.
    O texto em sua maioria é escrito em forma de verso, é composto por cinco atos, que após a introdução é seguido por uma procissão. O primeiro ato trata da morte de São Lourenço, sua agonia não era pela dor do fogo que o consumia, e sim a exaltação do amor de Deus, [... Ah, meu Deus! Com que me amas/mais me consome que as chamas/ e brasas, com seu calor. Os atos que se seguem, é um misto histórico-pedagógico, incutir nas mentes indígenas as regras necessárias da catequização e a alusão histórica da invasão dos franceses.
    O segundo ato concentra-se com os diabos, Guaixará, Aimberê e Saraiva, querendo propagar os pecados pela a aldeia, tomá-la de assalto, e mostrando certa repudia aos catequizadores, evidenciando mais uma vez, que o lado selvagem dos índios deve ser reprimido, evidenciando o lado civilizatório do auto.
    Essa virtude estrangeira
    Me irrita sobremaneira
    Quem a teria trazido,
    Com seus hábitos polidos
    Estragando a terra inteira?
    Os costumes indígenas são expostos de forma pecaminosa, sendo associada a costumes pagãos, a demonização da religiosidade indígena4, pintar os corpos, beber cauim, o canibalismo, o concubinato e a espionagem (referindo-se aos tamoios e a sua união com os franceses), tudo abordado de forma clara e objetiva.
    Guaixará
    Quem bom costume é bailar!
    Adornar-se, andar pintado,
    tingir pernas, empenado
    fumar e curandeirar,
    andar de negro pintado.
    Andar matando de fúria,
    amancebar-se, comer
    um ao outro, e ainda ser
    espião, prender Tapuia,
    desonesto a honra perder.

    Quando Aimberê ,criado de Guaixará retorna do seu encontro com os tamoios, que já são aliados dos franceses, volta de Tabas,e mostra a tentativa do diabo em persuadir os índios, aclamando os estrangeiros, dizendo o quanto são bons e festeiros,tentando os índios com o que eles mais apreciam retomando o tema que os costumes indígenas, serem somente vícios.
    Aimberê
    Fui as Tabas vigiar,
    nas serras de norte a sul
    nosso povo visitar.
    Ao me ver regozijaram,
    bebemos dias inteiros.
    Adornaram-se festeiros.
    Me abraçaram , me hospedaram,
    das leis de deus estrangeiros.
    Enfim, confraternizamos.
    Ao ver seu comportamento,
    tranqüilizei-me. Ó portento!
    Vícios de todos os ramos
    tem seus corações por dentro.

    Ainda no segundo ato, também a presença da idéia maniqueísta, encontra-se presente, apesar de São Lourenço ter sido queimado nas brasas, ele metaforicamente analisando, ressurge das cinzas como uma fênix, e começa a trazer o medo para os diabos, o bem sobrepondo o mal.Outro fator, que depois de certa leitura mais aprofundada, chama a atenção é a utilização de animais, que compõe a fauna brasileira, usado por Anchieta para uma melhor visualização da imagem do índio internalizada no auto.

    AIMBIRÊ
    Sou jibóia, sou socó,
    o grande Aimberê tamoio.
    Sucuri, gavião malhado,
    sou tamanduá desgrenhado,
    sou luminosos demônio.

    Várias passagens durante o auto, revelam todo a importância catequética do mesmo, centralizar as atenções para os pecados, depois o perdão, concluindo com a redenção, funcionaria como mensagens subliminares nos dias atuais , incutidas dentro dos versos .

    Alegrai-vos, filhos meus,
    na santa graça de Deus,
    pois que dos céus eu desci,
    para junto a vós estar
    e sempre vos amparar
    dos males que há por aqui.
    Iluminado esta aldeia
    junto de vós estarei,
    por nada me afastarei -
    pois a isto me nomeia
    Deus, Nosso Senhor e Rei!
    Ele que a cada um de vós
    um anjo seu destinou.
    Que não vos deixe mais sós,
    e ao mando de sua voz
    os demônios expulsaram.
    Também
    São Lourenço o virtuoso,
    Servo de Nosso Senhor,
    vos livra com muito amor
    terras e almas, extremoso,
    do demônio enganador.
    Também São Sebastião
    valente santo soldado,
    que aos tamoios rebelados
    deu outrora uma lição
    hoje está do vosso lado
    E mais - Paranapucu,
    Jacutinga, Morói,
    Sariguéia, Guiriri,
    Pindoba, Pariguaçu,
    Curuça, Miapei
    E a tapera do pecado,
    a de Jabebiracica,
    não existe. E lado a lado
    a nação dos derrotados
    no fundo do rio fica.
    Os franceses seus amigos,
    inutilmente trouxeram
    armas. Por nós combateram
    Lourenço, jamais vencido,
    e São Sebastião flecheiro.
    Estes santos, em verdade,
    das almas se compadecem
    aparando-as, desvanecem
    (Ó armas da caridade!)
    Do vício que as envilece.
    Quando o demônio ameaçar
    vossas almas, vós vereis
    com que força hão de zelar.
    Santos e índios sereis
    pessoas de um mesmo lar.

    Outro ponto que não se pode deixar passar despercebido, é o fato de dois imperadores romanos fazerem parte dos personagens do núcleo maléfico, Décio e Valeriano, Imperadores romanos, adeptos a práticas pagãs dentre elas, festa, concubinato, politeísmo, e a pior para os católicos, a perseguição aos cristãos, ambos são queimados vivos, remetendo ao martírio de São Lourenço que também foi perseguido e destinado a morrer queimado, enfatizando novamente a visão maniqueísta que Anchieta apresenta em todo o auto...
    DÉCIO
    Aqui abrasado estou!
    Assa-me Lourenço assado!
    De soberano que sou
    vejo que Deus me marcou
    por ver seu santo vingado!

    José de Anchieta, podemos dizer que foi o precursor das tendências atuais sobre a inculturação5. “Um menino, saído do berço da civilização, em rumo a uma terra selvagem e hostil, deparando-se com um ambiente educador fora dos parâmetros civilizatórios, depara-se com índios, poucos domesticados”, e com extrema sabedoria, absorve toda a cultura, os princípios folclóricos de um povo, e traduz com cuidado todos esse fatores que para esse mesmo povo era o alicerce de sua existência, para que o ensinamento ,seja de certa forma menos impactuosa. Respeitando e educando um povo que não teve escolha, que foi submetido á uma integração forçada com hábitos que não faziam parte de seu cotidiano,é evidente que Anchieta amou esse povo, merecendo o título de um mestre apaixonado pela a arte de educar , superando todos os percalços, que aos olhos de hoje seriam barreiras intransponíveis.

    ¹MEGALE, Heitor, Elementos de teoria literária, Editora Nacional,SP,( pg.79)
    ²Retirado e/ou adaptado de Prof. Ádino José Cardoso, Apostilas e Materiais de Aula. Colégio WR, 1996 a 1999.
    ³www.dicionariompb.com.br - acesso dia 13/06/2008.
    4.Literatura brasileira I/Santos, Alckmar Luiz do, Florianópolis: LLV/CCE/UFSC, 2008, pg.37
    5 Palestra proferida por D. Luciano Pedro Mendes de Almeida, Arcebispo de Mariana,na PUC-Rio, em 9 de junho de 1997.

    Referências.

    ABDALA, BENJAMIM JUNIOR E CAMPEDELLI, SAMIRA YOUSSEF.Tempos da literatura brasileira, Circulo do livro - SP, 1980.
    MEGALE, HEITOR.Elementos de Teoria Literária, Companhia Editora Nacional / SP – 1984.
    SILVA,JOAQUIM NORBERTO DE SOUSA.História da Literatura Brasileira e outros ensaios,Fundação Biblioteca Nacional – Departamento Nacional do Livro- RJ,2002.
    AMARAL, EMÍLIA ...[er al.].Novas Palavras: Português volume único: livro do professor, 8. Ed. – São Paulo: FTD, 2003.
    SANTOS, ALCKMAR LUIZ DOS E SALES, CRISTIANO. Literatura Brasileira I,.- Florianópolis: LLV/CCE/UFSC, 2008.
    BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 35. ed. São Paulo: Cultrix, 1994.

    8 de Maio de 2009 09:22

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  2. Dido, Medéia e Alcmena exemplos da real situação mulher na sociedade romana na literatura latina.

    Graziela Amancio da Silva Kubiak

    Lendo um texto de qualquer gênero é possível perceber a presença da mulher em seu contexto, não sendo diferente nos textos de literatura latina onde a mulher aparece com freqüência. Por vezes refletindo a real situação em que viviam na própria sociedade romana, alguns exemplos dessas mulheres tem-se em obras como Eneida, no caso a rainha Dido, em Anfitrião de Plauto observa-se Alckmena e Medéia de Sêneca onde a própria personagem dá nome a trama.
    Através de seus exemplos poder-se-ia indicar a real e verdadeira situação da mulher na Roma Antiga, quais seus contrates e sua função na sociedade.
    A mulher na sociedade sempre foi alvo de discussões, às vezes escrava às vezes senhora, mas nunca uma cidadã com direitos, um ser humano que provido de inteligência e sagacidade que poderia ter a acrescentar e a multiplicar. Esse preconceito vem desde eras muito antigas e não era diferente na Roma Antiga, tida muitas vezes como modelo de civilização.
    Seria aqui para tal sociedade a mulher alguém diferente? A literatura a trata como alguém que pensava amava e sentia tanto como o homem, mas em alguns casos apenas a trata como aquela que servia aos prazeres e educava os filhos.
    Quem seria a mulher na sociedade romana, qual sua derradeira função?Senhora ou escrava?
    Segundo a historiografia a mulher era totalmente submissa ao homem e assim deveria manter-se. A sociedade era na verdade formada pelo molde pater família, os homens eram o senhores e donos das ações das mulheres de tal forma que elas nem sequer cogitavam qualquer forma de pensar de outra maneira.
    Omena em As estratégias de afirmação social das mulheres no romance O asno de ouro, de Lúcio Apuleio cita Paul Veyne que define o casamento romano como “um ato privado” apesar de enfatizar o matrimônio, sua discussão está se centrada na moral estóica, que estabelece um tratamento diferenciado daquele que era dado anteriormente à esposa
    (...) durante muito tempo elas permaneceram submissas, mas, depois que várias maternidades aumentavam seu prestígio, quando chegavam à maturidade e viam-se livres da ciumenta ascendência das parentas mais velhas, sua desforra era fulminante. Nesse momento os maridos, que por muitos anos tinham dominado sua juventude, tornavam-se vítimas dessa revolução doméstica. OMENA apud GRIMAL 1991. p. 99.
    Contudo, tal mudança não colocou a mulher em condição alguma de ter capacidade de afirmação. A mulher não passa de uma prenda para o casamento, deve ser bem tratada, mas como um bem dentro da casa e não como um individuo.
    Em sua dissertação de mestrado A comparação semântica como estratégia discursiva na Ars Amatoria, de Ovídio, Silveira destaca duas espécies de mulher romana primeiramente as dissolutas e capazes de extremos de crueldade como Messalina ou Agripina, mulheres de imperadores, e Lésbia ou Cíntia, mulheres que seus amantes imortalizaram em versos e em segundo lugar aquelas fiéis ao ideal romano e que, como a Lívia, de Augusto, eram capazes até mesmo de “escolher jovens aias para servirem aos prazeres dele”.
    Muitas vezes aparecem como um estorvo como numa citação do imperador Augusto.
    “Se pudéssemos sobreviver sem uma esposa, cidadãos de Roma, o que todos nós faríamos sem aquela amolação; mas desde que natureza decretou assim que nós não podemos viver confortavelmente com elas, nem viver, de qualquer forma, sem elas, nós temos que planejar mais nossa preservação duradoura em lugar do nosso prazer temporário”. SILVEIRA (2003) apud FÁVERO & KOCH.
    Dessa forma a literatura romana nos traz exemplos de mulheres fora de alguns contextos trazendo a representação de que quando não era submissa era uma vilã ou uma louca.
    Medeia em Medéia de Sêneca é uma personagem dedicada ao amor que sente por Jason, mas que a deixa de lado para se casar com outra por fins comerciais e sociais explicando a Medéia que mesmo que fugisse com ela nada poderia fazer: “E como poderia resistir, se formos ameaçados por uma dúplice guerra, se Creón, e Acasto reunissem suas forças contra nós.” Sentindo-se rejeitada, pensamentos terríveis atormentam sua alma. Enlouquecida, acaba por matar os filhos para causar o sofrimento do ser amado. ”Ó minha dor, não tenho mais nada para te sacrificar. Levanta teus olhos cheios de lágrimas, o ingrato Jason. Reconheces tua esposa?”
    Medéia não via mais nada somente a dor que sentia. Ferira Jason e isso a fazia vingada por todos os crimes que cometeu em seu nome.
    Na cultura romana a mulher jamais deveria reclamar sobre sua situação. O exemplo de Medéia dá a impressão de que ela deveria ter aceitado seu destino segundo a visão romana, pois o casamento de Jason com sua nova esposa era mais bem visto do que uma união com ela. Embora tenha feito tudo que fez não era merecedora do amor de Jason.
    A loucura nos personagens femininos era de tal forma tão marcante que outra história segue padrões semelhantes da loucura da mulher pelo homem.
    A rainha Dido em Eneida, tão logo é deixada pelo amado acaba por suicidar-se sem nem mesmo pensar ou raciocinar, sem o amado a vida não existia [...] “O doces prendas, Quando o queiras um deus e o fado, est´alma Recebei libertai-me de pesares.”
    Tal pensamento deixa claro a forma que a mulher deveria ter, nada seria sem o homem a quem, devia obediência e devoção. Sem o homem a mulher nada seria então a única reação possível era enlouquecer.
    Ao contrário de exemplos tão tristes nessas histórias, outro exemplo representa as mulheres na literatura latina, na verdade agora uma mulher devotada ao marido, que ama e respeita o melhor modelo romano esperado, entretanto desperta a paixão do deus Júpiter que a possui e a engravida usando a forma do marido.
    Pelas leis de Roma tal caso não seria aceitável e seu marido morreria de vergonha por tal ato. Mesmo com a esposa dizendo que jamais o traíra, Anfitrião acredita serem as mulheres seres mentirosos e hostis.contudo ao saber que a mulher tinha sido possuída pelo senhor dos deuses sua reação foi a mais tranqüila possível: “Por Pó1ux! Realmente não me importo de ter feito sociedade com Júpiter. Vai para casa e manda já preparar os vasos sagrados para eu conseguir, com muitos sacrifícios, que o supremo Júpiter faça pazes.”
    Tais exemplos na literatura latina somente refletem o que as mulheres sofriam na pele na real sociedade romana, onde deviam controlar suas paixões e ser devota do marido. Consideradas uma chave comercial eram desde pequenas forçadas a obedecerem primeiramente ao pai e depois ao marido. Caso não fosse o acontecido o que acontecia era a loucura ou a dúvida, mas jamais a mulher era considerada alguém de bem e digna perante a sociedade.
    Além de tudo que sofriam pelo enorme fardo que carregavam os crimes no caso de Medéia, o reino no caso de Dido e a dúvida no caso de Alcmena, essas mulheres foram dadas com exemplos, mas não de mulheres fortes e decididas lutando pelo amor que sentiam e sim como fracas de pensamentos e dominadas pelos sentimentos qual às levaram, pelo menos no caso de Medéia e Dido a uma extrema loucura. Portanto exemplos que jamais deveriam ser seguidos pelas mulheres da sociedade romana.

    Referências:
    PLAUTO E TERENCIO. A comedia latina. Rio de Janeiro. Ediouro.
    OMENA Luciane Munhoz de. Pequenos poderes na Roma imperial: o povo miúdo na ótica de Sêneca, São Paulo, 2007.
    SÊNECA, Lúcio Aneu. Obras: Medéia - Hélvia. Tranqüilidade da alma. Apokolokyntosis. [tradução Giulio Davide Leo ni] Rio de Janeiro: Tecnoprint, 19 98.
    MARONIS, Publio Virgilio. Eneida. Versão para eBooksBrasil.com. 2005.
    OMENA Luciane Munhoz de. As estratégias de afirmação social das mulheres no romance O asno de ouro, de Lúcio Apuleio, História: Questões & Debates, Curitiba, n. 34, p. 65-88, 2001. Editora da UFPR.
    SILVEIRA, Maria da Conceição. A Comparação Semântica como Estratégia Discursiva na Ars Amatoria, de Ovídio. Dissertação de Mestrado em Letras Clássicas apresentada à Coordenação dos Cursos de Pós-Graduação da Faculdade de Letras da UFRJ. Rio de Janeiro, 2003.

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  3. A parábola do semeador na ótica do Padre Antônio Vieira

    Michele Bárbara Engel Larger

    O Sermão da Sexagésima foi pregado na Capela Real pelo Padre Antônio Vieira, em Portugal, no ano 1655. O discurso está fundamentado na parábola bíblica do semeador, história contada por Jesus, no evangelho segundo São Lucas, capítulo oito, versículo quatro a quinze.
    Sexagésima era, no calendário da Igreja, o segundo domingo antes do primeiro da quaresma, ou seja, aproximadamente sessenta dias antes da Páscoa.
    Vieira, nos dez capítulos do sermão, abusa dos requintes retóricos e de uma forma bastante particular dá o seu tom e, a sua maneira, detalha a parábola bíblica. A ótica de Vieira sobre a metáfora de Cristo é um tanto quanto peculiar. O pregador vê a partir de três ângulos distintos: semente, semeador e terra. Sendo que a semente, a palavra de Deus, é completa, eficaz e perfeita.
    O semeador para o autor representa a figura dos pregadores que se comprometem a levar as boas novas do evangelho. Os quatro tipos de terra, onde a semente é lançada, são o coração das pessoas, o mundo que precisa da mensagem de Deus levada pelo semeador.
    Como bom aluno da escola jesuíta da Bahia, os traços do discipulado podem ser percebidos na forma pedagógica de conduzir o sermão, passo a passo, para que o ilustre auditório, composto por católicos da nobreza portuguesa da época, pudessem entender e acompanhar sua linha de raciocínio.

    DETALHANDO A PARÁBOLA

    LUCAS CAPÍTULO 4:5a
    “Eis que o semeador saiu para semear.”

    SERMÃO DA SEXAGÉSIMA
    “Não só faz menção do semear, como também faz caso do sair.
    ...Hão-nos de medir a semeadura e hão-nos de contar os passos.
    Entre os semeadores, há uns que saem a semear e outros que semeiam sem sair.
    Diz que o semeador saiu, mas não diz que voltou.
    Reparai. Não diz Cristo: saiu a semear o semeador, senão, saiu a semear o que semeia. Entre o semeador e o que semeia há muita diferença. Uma coisa é o soldado e outra coisa o que peleja; uma coisa é o governador e outra o que governa. Da mesma maneira, uma coisa é o semeador e outra o que semeia; uma coisa é o pregador e outra o que prega. O semeador e o pregador é nome; o que semeia e o que prega é ação: e as ações são as que dão o ser ao pregador. Ter o nome de pregador, ou ser pregador de nome, não importa nada; as ações, a vida, o exemplo, as obras, são as que convertem o Mundo. O melhor conceito que o pregador leva ao púlpito, qual cuidais que é? — o conceito que de sua vida têm os ouvintes.”

    Nas primeiras linhas da comparação é visível a adequação da metáfora bíblica. O autor faz menção que não basta apenas semear. Precisa-se agir. Para Vieira o mais importante não são títulos, mas sim a essência de realizar o chamado sem meros interesses. Uma importância considerável é dada a ação e em conseqüência a palavra. A versão bíblica destaca que: “O semeador saiu [...]”. Para Vieira o sair é importante já que o ato se resume a ação propriamente dita. Bosi (1973) comenta a inclinação vieirense: “[...] no fulcro da personalidade de Antonio Vieira estava o desejo da Ação”.
    Santos (2007) justifica que com apoio nos textos bíblicos, o autor instiga os pregadores a saírem da Metrópole. “Nas entrelinhas, pode-se ler uma provável referência à necessidade de todos apoiarem o empreendimento colonial.”
    Em um segundo momento, Vieira substitui o termo ação por palavras e obras. Seguindo a didática da pregação, o sair precisa de resultados. O efeito parece associado a uma seqüência lógica. “[...] as ações, a vida, o exemplo, as obras, são as que convertem o Mundo. O melhor conceito que o pregador leva ao púlpito, qual cuidais que é? — o conceito que de sua vida têm os ouvintes.” (Vieira, 1655)

    LUCAS CAPÍTULO 4:5b a 8
    Uma parte caiu á beira do caminho, e foi pisada, e as aves do céu a comeram; outra parte caiu sobre as pedras, e, nascida secou-se, pois que não tinha umidade; e outra caiu entre os espinhos, e crescendo com elas os espinhos, a sufocaram; e outra caiu em boa terra, e, nascida produziu fruto cento por um.

    SERMÃO DA SEXAGÉSIMA
    “Veja como estas criaturas se armaram contra esta sementeira. Todas as criaturas que existem no mundo se reduzem a quatro gêneros: criaturas racionais, como os homens; criaturas sensitivas, como os animais; criaturas vegetativas, com as plantas e criaturas insensíveis como as pedras.
    Faltou alguma destas que se não armasse contra o semeador? Nenhuma. A natureza insensível o perseguiu nas pedras, a vegetativa nos espinhos, a sensitiva nas aves, a racional nos homens. E notai a desgraça do trigo, que onde só podia esperar razão, ali achou maior agravo. As pedras secaram-no, os espinhos afogaram-no, as aves comeram-no; e os homens? Pisaram-no.
    Oh que grandes esperanças me dá esta sementeira! Oh que grande exemplo me dá este semeador! Dá-me grandes esperanças a sementeira porque, ainda que se perderam os primeiros trabalhos, lograr-se-ão os últimos. Dá-me grande exemplo o semeador, porque, depois de perder a primeira, a segunda e a terceira parte do trigo, aproveitou a quarta e última, e colheu dela muito fruto. Já que se perderam as três partes da vida, já que uma parte da idade a levaram os espinhos, já que outra parte a levaram es pedras, já que outra parte a levaram os caminhos, e tantos caminhos, esta quarta e última parte, este último quartel da vida, porque se perderá também? Porque não dará fruto? Porque não terão também os anos o que tem o ano? O ano tem tempo para as flores e tempo para os frutos. Porque não terá também o seu Outono a vida? As flores, umas caem, outras secam, outras murcham, outras leva o vento; aquelas poucas que se pegam ao tronco e se convertem em fruto, só essas são as venturosas, só essas são as que aproveitam só essas são as que sustentam o Mundo.”

    As figuras de linguagem, tipicamente presente nos textos barrocos, confirmam o tipo de alegoria utilizada pelos escritores do período. “A natureza insensível o persegui nas pedras”. (VIEIRA, 1655)
    O foco do sermão continua voltado para o semeador. Santos (2007) enfatiza: “Há um louvor ao sofrimento dos jesuítas: o lamento não é por eles, mas pelos que deixam de ouvir suas palavras”. Ainda diz: “O evangelho é por assim dizer, atualizado: os sofrimentos dos jesuítas comparáveis aos dos primeiros pregadores do evangelho”.
    A técnica de argumentação pragmática e a relação entre causa e efeito , segundo sua natureza são destacadas nos trechos: “Veja como estas criaturas se armaram contra esta sementeira.” e “[...] depois de perder a primeira, a segunda e a terceira parte do trigo, aproveitou a quarta e última, e colheu dela muito fruto”. (VIEIRA, 1655)
    Argumentos baseados na realidade são aqueles cujo fundamento encontra-se na ligação existente entre os diversos elementos da realidade. É exatamente o tipo de alegação utilizado por Vieira.
    “Em primeiro lugar, a retórica exerce a persuasão por meio de um discurso. Não se recorre a um experimento empírico nem à violência, mas procura-se ganhar a adesão intelectual do auditório apenas com o uso da argumentação” .
    Vieira destaca três princípios que procedem ao fato da palavra de Deus fazer poucos frutos no mundo. A parte do pregador (semeador), a parte do ouvinte (tipo de terra) e a parte de Deus (sementeira). “Dá-me grandes esperanças a sementeira porque, ainda que se perderam os primeiros trabalhos, lograr-se-ão os últimos”.
    Para uma alma se converter por meio do sermão precisa haver convencimento e persuasão por parte do pregador; entendimento por parte do ouvinte; e a graça por parte de Deus. Em seguida, Vieira destaca que a parte de Deus é completa. A falha da pregação é conseqüência do pregador ou do ouvinte. Para justificar a perfeição divina aponta que na parábola original nenhuma semente se perdeu por fenômenos da natureza, como sol e chuva. Justificando a proposição de fé do Concílio Tridentino.
    Vieira associa ainda o pregador, os ouvintes e palavra de Deus a três instrumentos: olhos, espelhos e luz. Na analogia o pregador concorre como espelho, que reflete a luz que é Deus aos olhos que são os ouvintes da palavra.
    Para justificar sua posição, Vieira abusa de referências e passagens bíblicas. Fernandez (2008) destaca que para Aristóteles, a verdade retórica ocorre pelos processos de indução (exemplo), de silogismo e de silogismo aparente. Em Vieira é comum a recorrência bíblica como meio de favorecer o entendimento do ouvinte. No Sermão da Sexagésima histórias como a de Jonas, Jacó, Isaías, Pedro, André e Bartolomeu são utilizadas para dar suporte as convicções do autor.
    Outra ferramenta de retórica utilizada são os constantes questionamentos durante o sermão. O padre interroga os ouvintes durante todo o sermão. O interrogatório é uma forma de reflexão. Porém, após as perguntas o próprio pregador aponta a solução. Ou seja, ele pergunta para a platéia; e ele mesmo responde.

    LUCAS 4:11
    “Esta é, pois a parábola: A semente é a palavra de Deus,”

    SERMÃO DA SEXAGÉSIMA
    O trigo que semeou o pregador evangélico, diz Cristo que é a palavra de Deus.
    O estilo há-de ser muito fácil e muito natural. Por isso Cristo comparou o pregar ao semear: Compara Cristo o pregar ao semear, porque o semear é uma arte que tem mais de natureza que de arte. Nas outras artes tudo é arte: na música tudo se faz por compasso, na arquitetura tudo se faz por regra, na aritmética tudo se faz por conta, na geometria tudo se faz por medida. Semear não é assim. É uma arte sem arte caia onde cair. Vede como semeava o nosso lavrador do Evangelho. Caía o trigo nos espinhos e nascia. Caía o trigo na terra boa e nascia.
    Por isso Cristo disse que o lavrador do Evangelho não semeara muitos gêneros de sementes, senão uma só: Semeou uma semente só, e não muitas, porque o sermão há-de ter uma só matéria, e não muitas matérias. Se o lavrador semeara primeiro trigo, e sobre o trigo semeara centeio, e sobre o centeio semeara milho grosso e miúdo, e sobre o milho semeara cevada, que havia de nascer? Uma mata brava, uma confusão verde. Eis aqui o que acontece aos sermões deste gênero. Como semeiam tanta variedade, não podem colher coisa certa. Quem semeia misturas, mal pode colher trigo. Se uma nau fizesse um bordo para o norte, outro para o sul, outro para leste, outro para oeste, como poderia fazer viagem? Por isso nos púlpitos se trabalha tanto e se navega tão pouco. Um assunto vai para um vento, outro assunto vai para outro vento; que se há-de colher senão vento?

    A arte de falar é, por sua própria natureza, um fenômeno aleatório. Sofre influências de ordem diversa, está ainda relacionado a fatores sociais, culturais e políticos próprios das circunstâncias históricas em que o orador está inserido.
    Vieira foi um pregador que com muita propriedade aproveitou-se do estilo e de todos os ingredientes da oratória e dos recursos do altar para anunciar sua mensagem evangelística. O autor pautou uma linguagem erudita, notoriamente persuasiva, como instrumento para “ganhar” o interlocutor, fosse este leitor ou ouvinte.
    “Vieira combina a metáfora assemelhada com a criação original, em maior profundidade, mais afeita ao conteúdo, ao realismo dogmático e eclesiástico, ao estado de convencimento das verdades oriundas do púlpito”. (ARAUJO apud FERNANDEZ, 2008)

    No Sermão da Sexagésima a pregação é observada como um estilo de arte e o orador utiliza da retórica como um instrumento de convencimento.
    Cristo na visão de Vieira utiliza a metáfora semear-pregar. Nesse contexto a o autor associa o ato da pregação a uma arte. No capítulo cinco da Sexagésima, a pregação é comparada a música, a aritmética, a arquitetura e a geometria. Ao fazer esta relação com os aspectos artísticos, Vieira destaca que o pregador precisa utilizar de ferramentas adequadas para desempenhar com sucesso sua missão: a de persuadir e convencer. “[...] o semear é uma arte que tem mais de natureza do que de arte.” (VIEIRA, 1655)
    O esquema de inventio, dispotio, elutio, actio, memória, segundo a Arte Retórica de Aristóteles não foram ignorados pelo autor.
    No exórdio Vieira esclarece suas intenções. Os primeiros capítulos destacam a mensagem do sermão, ou seja, importância de anunciar a palavra. Após a apresentação desse tema Vieira busca sustentação teórica para embasar sua mensagem. Nesse momento as mensagens bíblicas entram em cena dando suporte a sua pregação. Em meio a isso, os questionamentos estão sempre presentes tentando prender e envolver o ouvinte no contexto da pregação. Por fim, os argumentos são respondidos pelo próprio autor.
    Vieira ainda destaca que “O estilo há de ser muito fácil e muito natural”. Ou seja, esta pregação deve ser simples como semear. “Por isso nos púlpitos se trabalha tanto e se navega tão pouco. [...] assunto vai para outro vento; que se há-de colher senão vento?” (VIEIRA, 1655). O autor reforça a importância de se ter naturalidade no altar. A mensagem deve ser focada contendo um assunto só. A pregação para ter eficácia precisa ser simples e segmentada. O autor reforça a tese no capítulo seis. Faz algumas analogias às mensagens sem foco. Destaca que as mensagens podem ter variedade de discurso, mas orienta que precisa começar e terminar na mesma matéria. Utiliza-se de metáforas a fim de ser compreendido. “[...] quem levanta muita caça e não segue nenhuma não é muito que se recolhe com as mãos vazias”. (VIEIRA, 1655). Critica ainda mais a complicação das mensagens usando de interrogação.
    “Se o lavrador semear primeiro trigo, e sobre o trigo semeara centeio, e sobre o centeio semeara milho grosso e miúdo, e sobre o milho semeara cevada o que haverá de nascer?” (VIEIRA, 1655)
    Santos (2007), porém destaca que apesar da disposição contrária de Vieira ao cultismo e ao apelo a simplificação e equilíbrio, as formas de sua escrita não condizem com sua solicitação.

    LUCAS 5:12
    “[...] e os que estão junto ao caminho, estes são os que ouvem, depois vem o diabo e tira-lhes do coração a palavra, para que se não salvem crendo[...]”

    SERMÃO DA SEXAGÉSIMA
    “Os caminhos são os corações inquietos e perturbados com a passagem e tropel das coisas do Mundo, umas que vão, outras que vêm, outras que atravessam, e todas passam; e nestes é pisada a palavra de Deus, porque a desatendem ou a desprezam.
    Os espinhos, as pedras, o caminho e a terra boa em que o trigo caiu, são os diversos corações dos homens.
    O trigo que caiu no caminho comeram-no as aves. Estas aves, como explicou o mesmo Cristo, são os demônios, que tiram a palavra de Deus dos corações dos homens: Pois por que não comeu o Diabo o trigo que caiu entre os espinhos, ou o trigo que caiu nas pedras, senão o trigo que caiu no caminho? Porque o trigo que caiu no caminho: Pisaram-no os homens; e a doutrina que os homens pisam, a doutrina que os homens desprezam, essa é a de que o Diabo se teme.”

    Vieira deixa bem claro que a mensagem é transmitida. Diferentemente dos demais tipos de terra, as que caíram no caminho não chegaram a nascer. “[...] ainda que caiu quatro vezes, só três nasceu [...]”.
    O autor destaca que para o plantio precisa-se observar o modo da semente cair. O semeador para obter sucesso assim como o pregador no convencimento do ouvinte precisa observar a queda, para que a semente fique bem posicionada; a cadência, para uso adequado das palavras; e o caso, para a disposição, que deve ser natural.
    Os povos bárbaros e as missões amazônicas são associadas ao caminho. O autor destaca que os missionários comidos pelos habitantes dos Aroãs, os afogados nos rios e mortos nas matas são como semeadores que lançam na semente e os pássaros e os homens pisam.
    Para concluir o trecho o autor utiliza mais uma vez o recurso interrogativo. No objetivo de incentivar a obras missionárias, Vieira destaca que mesmo diante de tantas adversidades não se pode desistir. “[...] ou que devia fazer o semeador evangélico, vendo tão mal logrados [...] Deixaria a lavoura?”.

    LUCAS 5:13 E 14
    “[...]os que estão sobre a pedra, estes são os que, ouvindo a palavra, a recebem com alegria, mas, como não tem raiz, apenas crêem por algum tempo, e, no tempo da tentação, se desviam; a que caiu entre espinhos, esses são os que ouviram, e, indo por diante, são sufocados com os cuidados, e riquezas, e deleites da vida, e não dão fruto com perfeição [...]”

    SERMÃO DA SEXAGÉSIMA
    “As pedras são os corações duros e obstinados; e nestes seca-se a palavra de Deus, e se nasce, não cria raízes.
    Os espinhos são os corações embaraçados com cuidados, com riquezas, com delícias; e nestes afoga-se a palavra de Deus.”

    Vieira reafirma o poder das palavras bem empregadas. A analogia das sementes jogadas as pedras e espinhos é um ponto de extrema importância no sermão. O trecho explicativo é o momento que ele lança suas convicções e dá respaldo a elas. O autor se utiliza da parábola bíblica para reforçar a mensagem de que o pregador precisa ter eloqüência nos sermões. Ou seja, mesmo que as pessoas não se convertam, ouvirão a mensagem e esta terá resultado. “[...] se são maus ainda que não façam neles fruto, faz efeito”.
    O autor destaca os níveis que concorrem para a pregação: a pessoa, a ciência, a matéria, o estilo e a voz.

    LUCAS 5:15
    “[...]e a que caiu em terra boa, esses são os que, ouvindo a palavra, a conservam num coração honesto e bom e dão fruto com perseverança”.

    SERMÃO DA SEXAGÉSIMA
    “Finalmente, a terra boa são os corações bons ou os homens de bom coração; e nestes prende e frutifica a palavra divina, com tanta fecundidade e abundância, que se colhe cento por um.
    Este grande frutificar da palavra de Deus é o em que reparo hoje; e é uma dúvida ou admiração que me traz suspenso e confuso, depois que subo ao púlpito. Se a palavra de Deus é tão eficaz e tão poderosa, como vemos tão pouco fruto da palavra de Deus? Diz Cristo que a palavra de Deus frutifica cento por um, e já eu me contentara com que frutificasse um por cento. Se com cada cem sermões se convertera e emendara um homem, já o Mundo fora santo. Este argumento de fé, fundado na autoridade de Cristo, se aperta ainda mais na experiência, comparando os tempos passados com os presentes.
    Do trigo que deitou à terra o semeador, uma parte se logrou e três se perderam. E porque se perderam estas três? — A primeira perdeu-se, porque a afogaram os espinhos; a segunda, porque a secaram as pedras; a terceira, porque a pisaram os homens e a comeram as aves. Isto é o que diz Cristo; mas notai o que não diz. Não diz que parte alguma daquele trigo se perdesse por causa do sol ou da chuva. A causa por que ordinariamente se perdem as sementeiras, é pela desigualdade e pela intemperança dos tempos, ou porque falta ou sobeja a chuva, ou porque falta ou sobeja o sol.
    Pois porque não introduz Cristo na parábola do Evangelho algum trigo que se perdesse por causa do sol ou da chuva? — Porque o sol e a chuva são as afluências da parte do Céu, e deixar de frutificar a semente da palavra de Deus, nunca é por falta: do Céu, sempre é por culpa nossa. Deixará de frutificar a sementeira, ou pelo embaraço dos espinhos, ou pela dureza das pedras, ou pelos descaminhos dos caminhos; mas por falta das influências do Céu, isso nunca é nem pode ser. Sempre Deus está pronto da sua parte, com o sol para aquentar e com a chuva para regar; com o sol para alumiar e com a chuva para amolecer, se os nossos corações quiserem.
    Sabeis, Cristãos, a causa por que se faz hoje tão pouco fruto com tantas pregações? É porque as palavras dos pregadores são palavras, mas não são palavras de Deus. Falo do que ordinariamente se ouve. A palavra de Deus (como diria) é tão poderosa e tão eficaz, que não só na boa terra faz fruto, mas até nas pedras e nos espinhos nasce. Mas se as palavras dos pregadores não são palavras de Deus, que muito que não tenham a eficácia e os efeitos da palavra de Deus? Se os pregadores semeiam vento, se o que se prega é vaidade, se não se prega a palavra de Deus, como não há a Igreja de Deus de correr tormenta, em vez de colher fruto?”

    A repetição dos trechos já proferidos em outros momentos do discurso é um aspecto interessante na retórica de Vieira. Em muitos momentos do sermão, o autor vai e retorna ao mesmo ponto. O retorno supõe um treinamento de memorização da mensagem. Na reflexão da parábola do semeador, Vieira destaca que para a pregação ter sucesso o pregador precisa convencer. Esse jogo de retorno dá a impressão de um método ensinado também é adotado na obra.
    O Sermão da Sexagésima parece realmente um grande exercício de intenções, instrução e dicas. Uma aula discursiva. Em que o autor além de dar as dicas, usa a própria metodologia ensinada na obra. Como o próprio Vieira cita: “[...] palavras e obras”. A parábola do semeador é nesse contexto apenas uma alegoria. Vieira usou a metáfora bíblica como um pano de fundo ao real motivo de sua retórica. “[...] não apenas ensinou como também construiu seu sermão seguindo todas as etapas que considerava fundamentais para um bom discurso [...]”.

    REFERÊNCIAS

    ARAÚJO, Jorge de Souza. Antônio Vieira e a Paranética religiosa. In: Revista Semear. Cátedra Padre Antônio Vieira de Estudos Portugueses. Vol. 2. Disponível em http://www.letras.puc-rio.br/catedra/revista/2sem_03.html. Acesso em 20 de junho de 2008.

    Bíblia de Estudos Almeida. Barueri-SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.

    BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. Cultrix: São Paulo, 1973.

    COBRA, Rubem Queiroz. O Padre Vieira. Vida, época, filosofia e obras do Padre Vieira. Disponível em: http://www.cobras.pages.nom.br/fmpvieira.html. Acesso em 28 de junho de 2008.

    FERNANDEZ, Karina de Freitas Silva. A Arte Retórica de Padre Antonio Vieira. In: Espéculo. Revista de estudios literarios. Universidad Complutense de Madrid. Disponível em: http://www.ucm.es/info/especulo/numero37/avieira.html. Acesso em 24 de junho de 2008.

    FILHO, Nelson Rodrigues. Padre Antônio Vieira: dizer é agir. In: Revista Semear. Cátedra Padre Antônio Vieira de Estudos Portugueses. Vol. 2. Disponível em: http://www.letras.puc-rio.br/catedra/index.html. Acessado em: 26 de junho de 2008.

    INFORMAÇÕES DE INTERNET. www.paratexto.com.br. Análise do Sermão da sexagésima de Pe. Antonio Vieira, por Eliandro Silva. Acesso em 29 de junho de 2008.

    INFORMAÇÕES DE INTERNET. www.portaldaslestras.com.br. Por Trás das Letras. Hélio Consolaro. Acesso em 21 de junho de 2008.

    PACHECO, Gustavo de Britto Freire. Retórica e Nova Retórica. Disponível em: http:// www.puc-rio.br/sobrepuc/depto/direito/pet_jur/c1gpache.html. Acesso em 20 de junho de 2008.

    SANTOS, Alckmar Luiz dos. Literatura brasileira I / Alckmar Luiz dos Santos, Cristiano de Sales .— Florianópolis : LLV/CCE/UFSC, 2008.

    VIEIRA, Antonio. Sermão da Sexagésima. 1955. Disponível em: http://www.literaturabrasileira.ufsc.br/arquivos/texto/0006-02139.html. Acesso em 20 de junho de 2008.

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  4. TOMÁS ANTONIO GONZAGA, UM POETA REVOLUCIONÁRIO

    DENIZE MARIA CECATTO BEE

    SOBRE O AUTOR

    Tomás Antonio Gonzaga, cujo nome arcádico é Dirceu, nasceu em Portugal, mas é filho de mãe portuguesa e pai brasileiro. Passou parte de sua vida no Brasil, depois foi estudar em Portugal e só retornou quando foi convidado para assumir o cargo de Ouvidor dos Defuntos e Ausentes da Comarca de Vila Rica, então capital de Minas Gerais. Foi jurista, poeta e ativista político luso-brasileiro. Consta que aos quarenta anos de idade apaixonou-se por uma jovem de dezessete anos com o nome de Maria Dorotéia Joaquina de Seixas Brandão, que foi imortalizada na pastora “Marília” nos poemas de amor em forma de lira, e que se transformou num mito amoroso de nossa literatura. Não existem testemunhas que ele tenha poetado antes de vir ao Brasil. Foi aqui que o poeta se fez, o que o naturaliza brasileiro, segundo adverte o historiador José Veríssimo. Tomás Antonio Gonzaga sofreu resistência da família da jovem, por ser mais pobre e mais velho, e no decorrer dos fatos foi preso, acusado de participar do movimento da Inconfidência Mineira, porém sempre acreditando que não seria condenado, foi exilado para Moçambique. Nesse período teve todos os seus bens confiscados, inclusive parte de suas obras que se perderam. Por esses motivos não se casou com sua amada, mas em Moçambique, casou-se com uma jovem muito rica, e esqueceu de “Marília”. Envolvido no movimento que foi idealizado em Vila Rica, hoje Ouro Preto, denominado Inconfidência Mineira, Gonzaga aliou-se a Tiradentes e a outros poetas tais como Cláudio Manuel da Costa e Alvarenga Peixoto com o ideal da independência da Colônia. Na verdade as idéias iluministas surgiram diante da estabilização de uma sociedade culta, constituída de magistrados, mineradores, comerciantes e funcionários da Coroa que haviam estudado em Portugal e que haviam trazido para a Colônia os modismos artísticos e intelectuais que faziam sucesso na Europa. Todas as atenções estavam voltadas para Minas Gerais porque havia se tornado centro produtor de minérios onde o movimento social fervia. Aliadas ao desenvolvimento surgiram as reações do povo sob a liderança de alguns intelectuais, contra os abusos da Colônia na cobrança de impostos, gerando consequentemente a Revolução de Vila Rica e a Inconfidência Mineira. O historiador inglês, Kennet Maxwel, porém, ao revirar os arquivos da história em vários países, provou num livro, que a revolta tinha raízes mais materialistas que se supunha. Segundo Maxwel, o que se pretendia no fundo, era acabar com os impostos que a Coroa Portuguesa impunha sobre as atividades mineradoras o que descontentava o povo de Vila Rica, mas também tinham os magnatas que sem motivos ideológicos apenas queriam a independência para que seus privilégios se mantivessem. No relato de Adelto Gonçalves, Tomás Antonio Gonzaga, não era somente oportunista nem de todo desprovido de idealismo. Ele era na verdade um homem de seu tempo, com um alto cargo, e que cometeu muitos desmandos inclusive para assegurar as boas relações políticas caso a inconfidência triunfasse. Consta também que detinha contra o governador de Minas Gerais, D. Luis da Cunha Pacheco Meneses, um grande desafeto, o que lhe valeram as Cartas Chilenas, e posteriormente a perseguição política, desencadeando sua prisão. O que acontecia naquela época nos comandos do governo não se difere muito dos dias atuais, como consta no documento de Adelto Gonçalvez, havia muita corrupção, fraudes e suborno. Em alguns livros de história e em alguns documentos e relatos, porém, ele era considerado um correto funcionário da justiça, inocentando-o das acusações impostas e sendo vítima de calúnias dos adversários. Na verdade todos foram traídos por um dos integrantes do grupo, o que acabou com a morte de Tiradentes e a prisão e o degrado do restante do grupo, inclusive de Tomás Antonio Gonzaga. Não se trata de desfazer os heróis nacionais, esclarece Adelto Gonçalvez, mas sim de entendê-los como homens, suscetíveis a deslizes, sem, no entanto tirar os méritos pessoais ou artísticos como é o caso do autor citado nesse ensaio.

    SOBRE SUAS OBRAS

    Toda sua obra de poesias líricas foi reunida em uma coleção de poesias lírica intitulada “Marília de Dirceu”, e foi publicada em Lisboa, pela primeira vez em 1792, exatamente no ano de seu exílio, e oscilam entre os resíduos do barroco e as antecipações do romantismo. Constam de suas obras também “Cartas Chilenas” em estilo satírico que refletem a insatisfação com os desmandos dos administradores da Coroa no Brasil, principalmente com o governador de Minas Gerais, D. Luis da Cunha Pacheco Meneses, e atestam o inconformismo dos habitantes da Colônia com os desmandos e a falta de moralidade política; e “Tratado de Direito Natural”, trabalho de cunho jurídico, no qual enfocava o tema sob o ponto de vista tomista.
    Parte de suas liras, uma espécie de canção, foi escrita antes do exílio e cantam a ventura amorosa, num tom de felicidade, valorizando o momento presente e sonhando com o futuro, atitude própria dos apaixonados; relatam temas domésticos do tipo caseiro que gosta das coisas do lar, buscando a simplicidade e o envolvimento com o campo e a agricultura como refúgio. A outra parte quando estava preso na Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, enquanto cumpria três anos de prisão, num tom trágico, lamentam o infortúnio e o destino, revelam o desespero e o abandono, mas encontra consolo no amor por Marília. Apesar de assumir um posicionamento campesino, sob forma de pastor humilde e apaixonado, por vezes, assume a postura de burguês diante de suas atitudes e aspirações, presentes principalmente na primeira parte, onde Gonzaga se dedica mais às convenções arcádicas. Mas o lirismo romântico em forma de poema sentimental, o transforma em mito, sob a forma de amante infeliz e desgraçado, principalmente na segunda parte. Oculto sob o criptônimo Dirceu e usando de figurações conseguiu transpor em suas poesias os acontecimentos e os dramas que o envolveram, encontrando em seus personagens o refúgio para seus encantos e desalentos. Sua poesia surge não dos conflitos, mas da ausência de conflitos, e que se opõe ao herói à moda antiga. Segundo José Veríssimo, Maria Dorotéia, era uma moça de pouca cultura, daí a explicação para seus versos simples, foi a forma de fazer-se entender. Como poeta, e por seu estilo diferenciado, é considerado um genuíno produto brasileiro.
    Ainda em Minas Gerais escreveu as Cartas Chilenas, sob o pseudônimo de Critilo, uma crítica ao governador de Minas Gerais. Trata-se de uma coleção de doze cartas, poemas satíricos de tom mordaz, agressivo e jocoso, mascarados sob pseudônimos, a fim de criticar os desmandos do então governador mineiro. Essas cartas circularam por Minas Gerais pouco antes da Inconfidência Mineira.

    O ESTILO

    O estilo pastoril árcade, o simbolismo arcádico, presente nas liras de Dirceu, foi um dilema para os autores da época, pois a rusticidade dos pastores e da vida pastoril não tinha nada de poético. Foi preciso então criar uma linguagem artificial, mas singela, procurando imitar a natureza que não existia. Se a realidade era feia, o jeito era torná-la bela e perfeita, se a história era de drama, era preciso enfeitá-la. Essa mistura de real com verdadeiro, do rústico com poético, do trabalho rude dos pastores com a sensibilidade das paixões, deu um ar nostálgico e bucólico à poesia desse período, mas que não perdurou por muito tempo. Constituíam obrigatoriamente na poesia árcade figuras como riachos límpidos, campos vastos e verdejantes, jardins floridos, pastores e rebanhos, os quais aliados à fantasia serviam para não chocar ou ferir, porque a poesia devia agradar. A retomada da felicidade e da beleza só era possível se buscada na tranqüilidade do campo, essa era a idéia do movimento baseado na poesia bucólica de Ovídio, Horácio e Virgílio, que se tornaram modelos obrigatórios da época. Existia também o processo de retorno às origens devido à urbanização e a saturação dos grandes centros, que levaram o poeta a buscar no campo a felicidade simples que ficou esquecida no campo. Seria correto usar a expressão “retorno às raízes”, ainda muito atual. Hoje analisando a própria música sertaneja ou de raiz, traz muito desse bucolismo, o reencontro com a felicidade simples da vida no campo, o prazer da liberdade, o cheiro de mato, a convivência com os animais, e até mesmos grandes amores, geralmente não correspondidos. Seria audácia comparar os tempos e as situações? Devido à naturalidade a singeleza quer que seja na expressão dos sentimentos ou no vocabulário, a poesia de Tomás Antonio Gonzaga caiu no agrado do povo, tornando-o o mais afamado poeta mineiro. O pesquisador, M. Rodrigues Lapa, afirma que Tomás Antonio Gonzaga, foi um poeta adequado ao seu tempo, pois concretiza o ideal familiar e burguês, para onde tendiam os anseios humanos principalmente dos ingleses, e que era tido como modelo de sociedade. Atribui-se também o fato de suas liras serem graciosas, delicadas e intensas diferenciando-se da formalidade e da frieza do estilo, frutos de sua inspiração genuína e autêntica, e não apenas pela adoção fiel ao estilo literário. As produções dessa época são verdadeiros exemplos de elegância e graça, mas o que peca na poesia árcade é na realidade a situação temática, na sua maioria convencionais o que gerou a falta de originalidade, muitas obras são cópias quase perfeitas, indício da recorrência insistente aos motivos da poesia Greco-Romana e Renascentista.
    Tomás Antonio Gonzaga é considerado por alguns críticos como o poeta mais equilibradamente neoclássico da nossa poesia, e em sua lírica sugere dois elementos não convencionais, que são a imitação direta da natureza de Minas, apesar de encontrar relatos que dizem justamente o contrário; e não a natureza reproduzida do bucolismo Greco-Romano ou renascentista; ou seja, européia. Outra tendência é o lirismo como expressão pessoal construída sobre seu modo de ser e de pensar inspirado em suas alegrias ou dramas, mas sempre usando expressões próprias para acentuar os traços efetivos, racionais ou sensuais, porém transparecendo mais a ternura do que a sensualidade. Apesar de indícios do estilo anacreôntico, Tomás Antonio Gonzaga consegue dar vida própria ao seu estilo peculiar. Algumas dessas características de sua obra são tidas como pré-românticas por alguns críticos, porque o sentimentalismo e a emoção não são considerados padrão para o estilo. Ronald de Carvalho diz em uma citação que sua poesia apesar dos vícios literários é simples e sem os vaidosos requintes. É interessante comentar que o mais importante numa poesia, não é o que as palavras dizem, mas da forma como é dita; e a forma como Tomás Antonio Gonzaga (Dirceu) a faz na maioria de suas liras, é de maneira admirável. O pesquisador Adelto Gonçalves defende em tese que Gonzaga é um poeta do iluminismo, e em seu comentário no Jornal da Poesia, relata que o poeta Manuel Bandeira em uma assinala que a coleção de poemas líricos do autor Gonzaga, só é superada em números de edições por Os Lusíadas, de Camões, tornando-o o mais popular da Língua Portuguesa.


    A OBRA: MARÍLIA DE DIRCEU

    Coleção de liras que Tomás Antonio Gonzaga que constituem a obra poética mais importante do século XVIII da literatura brasileira e é reconhecida como uma das mais expressivas obras do neoclassismo em língua portuguesa. Trata-se praticamente de um monólogo, apesar da obra ter estrutura de diálogo, chamando Marília em geral por vocativos. O crítico Antonio Cândido lembra que o melhor título pra obra seria mais apropriado se fosse Dirceu de Marília, mas o patriarcalismo de Gonzaga jamais lhe permitiria pôr como coisa possuída. A primeira edição saiu no ano de 1792, ano do exílio do autor, e hoje já foi traduzido para o francês, italiano, inglês, espanhol, alemão e em parte para o latim. É considerado o livro mais lido em nossa língua depois de Os Lusíadas. Sob a visão da convenção neoclássica observam-se todas as tendências do estilo literário, com a utilização dos itens comuns ao arcadismo: ambiente natural, ou seja, o campo, pastores, serenidade da paisagem, a utopia campestre, a rusticidade poética, a singeleza e transparência de sentimentos, a defesa da tradição e da propriedade entre outros. Porém Gonzaga consegue romper a estilização arcádica, projetando em seu drama amoroso e consequentemente suas crises emocionais, mais ênfase que o convencional, fazendo brotar uma poesia de qualidade e carregada de emoções.
    A obra divide-se em duas partes, existe uma terceira parte, cuja autenticidade é contestada por alguns críticos.
    A primeira parte constitui-se de poemas escritos antes de sua prisão. Segundo os críticos, na nela predominam as composições convencionais, mas em diversas liras, entretanto, as convenções não conseguem disfarçar as confissões amorosas, diante da ansiedade de um homem apaixonado por uma adolescente, e a necessidade de demonstrar seu amor verdadeiro e merecedor do apreço da amada:
    “A minha amada
    É mais formosa
    Que branco lírio,
    Dobrada rosa,
    Que o cinamomo,
    Quando matiza
    Côa folha a flor.
    Vênus não chega
    Ao meu amor.”

    Quando a descreve, deixa transparecer o sensualismo, mal contido, e demora-se numa definição que mais lhe parece uma tortura:
    “O teu semblante é redondo,
    Sobrancelhas arqueadas,
    Negros e finos cabelos,
    Carnes de neve formadas.”

    Ou ainda:

    “Lisas faces cor-de-rosa,
    Brancos dentes, olhos belos,
    Lindos beiços encarnados,
    Pescoço e peitos nevados,
    Negros e finos cabelos.”

    O enfoque das coisas simples e corriqueiras, mas realistas, do campo, tornam-se fruto de graciosidade e leveza nos versos de Gonzaga. É um desafio escrever sobre temas que não são convencionais para um poema, sem torná-los, no entanto vagos e incoerentes, tendo a destreza de descrever as minúcias do campo sem perder qualidade, proporcionando-lhe equilíbrio e harmonia, mesmo usando uma linguagem direta:
    “Atende como aquela vaca preta
    O novilho seu dos mais separa,
    E lambe, enquanto chupa a lisa teta.
    Atende mais ó cara,
    Como a ruiva cadela
    Suporta que lhe morda o filho o corpo,
    E salte em cima dela.
    Repara, como cheio de ternura
    Entre as asas filho essa ave agüenta
    Como aquela esgravata a terra dura
    E os seus assim sustenta;
    Como se encoleriza
    E salta sem receio a todo vulto,
    Que junto deles pisa!”

    O pacote completo para o sonho idílico é composto ainda pela projeção de um futuro promissor, a família numerosa e os cuidados da fiel amada, sempre mantendo uma postura patriarcal.
    “Nas noites dê serão nos sentaremos
    Co’os filhos, se os tivermos, à fogueira;
    Entre as falsas histórias que contares
    Lhes contarás a minha verdadeira”

    A postura hedonista, voltada para o gozo dos prazeres, também se destaca na primeira parte, onde reflete a fugacidade do tempo e o apelo ao desfrute imediato dos prazeres da vida. Nesse texto, Gonzaga (Dirceu), prova que seu sentimento nada tinha de platônico:
    “Ornemos nossas testas com as flores,
    E façamos de feno um brando leito;
    Prendamo-nos, Marília, em laço estreito,
    Gozemos do prazer de sãos amores.
    Sobre nossas cabeças,
    Sem o que possam deter, o tempo corre;
    E para nós o tempo, que se passa,
    Também, Marília, morre.”

    Por vezes o próprio poeta se contraria, Marília toma a forma de pretexto para o exercício poético, onde seus traços físicos variam; numa lira aparece morena:
    “Os seus compridos cabelos,
    Que sobre as costas ondeiam,
    São que os de Apolo mais belos,
    Mas de oura cor não são.
    Tem a cor da negra noite,
    E com o branco do rosto
    Fazem, Marília, um composto.
    Da mais formosura união.”

    Em outra situação, Marília aparece loira:

    “Os teus olhos espelham a luz divina,
    A quem a luz do sol em vão se atreve;
    Papoila ou rosa delicada e fina
    Te cobre as faces, que são cor de neve.
    Os teus cabelos são uns fios d’ouro;
    Teu lindo corpo bálsamos vapora.”

    O próprio Dirceu, que se diz pastor, ora se diz magistrado, mas os dois personagens faziam parte do que era o estilo daquela época. Trata-se de um texto literário, e não de uma história real. Precisamos entender que na poesia o que vale é a arte. No caso das liras de Gonzaga, que exalta Marília, o que na verdade se percebe, é que o centro do enredo é o próprio Dirceu.
    No texto IX, Gonzaga refere-se uma única vez, ao movimento no qual também está envolvido. A forma como se refere à Tiradentes, um tanto quanto ofensiva, talvez com o propósito de aliviar seu comprometimento com o movimento. O argumento dos admiradores do poeta, no entanto dizem que foi uma tentativa de transformar Tiradentes como vulto histórico:
    “Ama a gente assisada
    A honra, a vida, o cabedal, tão pouco,
    Que ponha uma ação destas
    Nas mãos de um pobre, sem respeito e louco?
    A prudência é tratá-lo por demente;
    Ou prende-lo ou entrega-lo
    Para dele zombar a moça gente”

    Quando foi delatado pela sua atuação no movimento da inconfidência, Gonzaga, que era funcionário da justiça, atribuiu o ato aos seus inimigos que segundo ele eram os que mais endividados com o governo, e aproveitaram seu envolvimento com a inconfidência para tirá-lo da atuação da cobrança de suas dívidas. Assim protesta sobre o ocorrido:
    “Esta mão, esta mão que ré parece
    Ah! Não foi uma vez, não foi só uma
    Que em defesa dos bens que são do Estado
    Moveu a sábia pluma.”

    Ainda nas liras podem-se encontrar trechos onde Gonzaga reivindica a sua inocência, como forma de desabafo escreve indignado para amada Marília, como se esta viesse ao seu socorro e ainda insiste em dizer que não era integrante do movimento:
    “Tu, Marília, se ouvires
    Que diante de teu rosto aflito
    O meu nome se ultraja
    Co’o suspeito delito,
    Dize severa, assim, em meu abono:
    Não toma as armas contra um certo justo
    Alma digna de um trono.”

    A segunda parte escrita quando já se encontrava preso na Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, exprimem a solidão. Nesta parte as poesias de Gonzaga já não sustentam a total convenção e equilíbrio neoclássico, e surge então o que são consideradas as melhores poesias do poeta. Devido à mudança de comportamento do poeta, que a partir de então usa um tom mais confessional e pessimista, preanuncia o emocionalismo romântico, conforme asseguram alguns críticos. Quando esteve a beira do desespero, pensou no suicídio, e só não o cometeu, porque tinha esperança de reencontrar sua doce amada Marília. O amor fez com que Gonzaga suportasse o tempo terrível que ele passou na prisão. Conta-se que enquanto esteve preso, escrevia seus versos na parede da prisão com o carvão da candeia:
    “Deixo a cama ao romper d’alva;
    O meio dia tem dado
    E o cabelo inda flutua
    Pelas costas desgrenhado.
    Não tenho valor, não tenho
    Nem para de mim cuidar.
    Vem um tabuleiro entrando
    De vários manjares cheio.
    Põe-se na mesa a toalha
    E eu pensativo passeio.
    De todo, o comer esfria
    Sem nele poder tocar.”

    Em outro trecho:
    “Nesta triste masmorra,
    De um semi-vivo corpo sepultura,
    Inda, Marília, adoro
    A tua formosura.
    Amor na minha idéia te retrata;
    Busca extremoso, que eu assim resista
    À dor imensa, que me cerca e mata.”

    Quando enfim veio a sentença, e Gonzaga foi mandado para o exílio em Moçambique, ainda declarou amor eterno à Marília, como despedida, por que sua amada não o segue.
    “Na desgraça a lei fatal
    Pode de ti separar-me
    Mas nunca d’alma tirar-me
    A glória de te querer”

    E desabafa, em outro trecho:
    “Eu tenho um coração maior que o mundo,
    Tu, formosa, Marília, bem o sabes:
    Um coração e me basta,
    Onde tu mesma cabes”

    O EXÍLIO

    Mas a mudança que acontece no decorrer dos anos depois de sua ida a Moçambique, já não deixa tanta certeza de um grande amor. O clima romântico e o mundo no qual acreditava, parece desabar no exílio africano. Tendo que refazer sua vida parece ocorrer uma ruptura drástica e o poeta Tomás Antonio Gonzaga, desaparece. Resta o homem buscando caminhos. M. Rodrigues Lapa, em seus estudos recentes, atribui à Gonzaga a autoria do poema “Marialva”, que teria sido escrito em Moçambique. No exílio deixa de escrever e passa a ocupar os cargos de procurador da Coroa e Fazenda, e depois, o de juiz de Alfândega de Moçambique, casa-se com uma rica senhora de nome Juliana Mascarenhas, e passa a ter uma vida abastada. Na versão de José Veríssimo, Gonzaga morre na miséria moral e física. Com Juliana, Gonzaga teve dois filhos: Alexandre e Ana. Morreu em 1810, vítima de uma doença grave.
    Gonzaga foi muito admirado por poetas como Casimiro de Abreu e Castro Alves e ocupa a cadeira de número 37 da Academia Brasileira de Letras, aonde depois veio ocupar outros talentos como João Cabral de Melo Neto.

    REFERÊNCIAS

    AMARAL, Emília... [et al] Português: Novas Palavras: literatura, gramática, redação – São Paulo: FTD, 2000.

    ANDRADE, Fernando Teixeira de. Literatura I/ Fernando Teixeira de Andrade. – São Paulo: Centro de Recursos Educacionais, 1987(Coleção Objetivo).

    CUTINHO, Afrânio; co-direção, COUTINHO, Eduardo de Faria. A literatura no Brasil- 4. Ed. revisada e atual. – São Paulo: Global, 1997.

    GONÇALVES,Adelto. “No bicentenário da morte de Gonzaga”.http://E\jornal da poesia – Adelto Gonçalves.htm. Acessado em 18/06/2008.

    ________.Literatura brasileira. Tomás Antonio Gonzaga. http://www.virtualbooksonline.mht. Acessado em 08/06/2008.

    MASSON, Celso. “A nova devassa”. Revista Veja.21/01/1998.mhtml:file://E:\Veja21/01/98.mht. Acessado em 15/06/2008.

    MERQUIOR, José Guilherme. De Anchieta à Euclides: Breve História da Literatura Brasileira I/ José Guilherme Merquior. 3.ed. – Rio de Janeiro: Topbooks, 1996.


    TERRA, Ernani. Gramática e Literatura/Ernani Terra, José de Nicola - São Paulo: Scipione.2000.-(Coleção Novos Tempos)

    _________ .Tomás Antonio Gonzaga. In: http://pt.wikipédia.org/wiki/Tom%C3%A1s_Ant%C3%B4nio_Gonzaga. wikipédia, a enciclopédia livre.mht. Tomás Antonio Gonzaga. Acessado em 08/06/2008

    _________.Tomás Antonio Gonzaga. In: http/www.nilc.usp.br//Colégio São Francisco – Tomás Antonio Gonzaga.mht. Acessado em 15/06/2008
    VERÍSSIMO, José. História da Literatura Brasileira/ José Veríssimo - Rio de Janeiro: Record,1998.

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  5. O AMOR COMO RAZÃO MAIOR

    DENIZE MARIA CECATTO BEE


    O tema, a presença das mulheres na Literatura Latina, que será abordado deste ensaio é de fundamental importância para podermos nos aprofundar no conteúdo proposto pela disciplina de Estudos Literários e ampliar nossa margem de conhecimento sobre o assunto de extrema riqueza literária. No decorrer do trabalho mostrarei as faces revolucionárias e atitudes de Dido, Medeia e Alcmena, e a influencia que gerou sobre os heróis e suas façanhas.
    A evolução social da mulher é amplamente percebida no decorrer da história, mas é na antiguidade que encontramos as situações mais diversas e adversas, como podemos perceber claramente nos três clássicos: Eneida, de Virgílio; Medeia de Sêneca e em Anfitrião, de Plauto. Em cada um desses clássicos, destaca-se a força feminina contidas em Dido, Medeia e Alcmena, que se impuseram diante de uma cultura para viver suas próprias vidas, conduzindo seus próprios destinos, vivendo seus amores e suas tragédias.
    Mulheres de coragem que inconscientemente mudaram a história e ajudaram a construir heróis. Que teria sido de Enéias se ele não tivesse sido seduzido por Dido? E de Jasão, o herói decadente, se Medeia não o tivesse castigado. E de Anfitrião se não tivesse lutado a pedido de Alcmena? Todas essas mulheres tomam atitudes adversas ao costume da época romana, e sofrem também três situações distintas, entre a tragédia e a tragicomédia.
    A literatura as descreve como belas, manipuladoras, feiticeiras, dominadoras. O poder aliado a estes quesitos davam a essas mulheres a oportunidade e a coragem necessária para tomarem as decisões que lhes conviessem. E assim aconteceu. Elas quebram tabus, infringiram as normas, usam de seus poderes, romperam acordos, tudo para satisfazerem seus desejos.
    No caso de Dido, rainha de Cartago, seduziu Enéias e viveu em conluio com ele, sem oficializar casamento, quebrando além de um acordo político, uma regra social para a elite: o casamento, se bem que um dependia do outro pra ter sucesso. “Relacionamento trágico interrompido drasticamente com a partida do herói, na calada da noite, após ser lembrado e advertido pelos deuses de que seu estabelecimento deve ser na Itália e não na África.” (VARGAS, 2008, p55). Ele obedece e parte para o desespero de Dido. Ao ver-se abandonada, mais uma vez dá prova que é dona de seu destino. Todo seu amor se transforma em ódio, e, injuriada lhe roga pragas e por fim se suicida. A morte por suicídio talvez tenha outra conotação histórica, porque para um tempo onde esse tipo de conduta de Dido era inaceitável, algum episódio trágico poria abaixo outras expectativas de influência nas mulheres. O suicídio talvez fosse a forma de limpar a honra de Cartago, e para amedrontar outras possíveis “rebeldes”. Dido apenas contribuiu para a formação do herói na obra, foi usada, para que Enéias se fortalecesse.
    Medeia é a mais trágica e fria de todas elas. Com poderes de feitiçaria envolve seu pretendente, o cobiçado Jasão. A literatura coloca Medeia num espaço mais doméstico, no papel de reprodutora. Não parece no primeiro momento ter muita influencia sobre o marido, tanto que ele a trai com a filha de um rei a fim de conseguir prestígio. Ao se sentir traída, não tem o direito de recorrer para se defender judicialmente sua posição de mulher, sendo condenada ao invés de receber justiça. Medeia então tomada pelo ódio, vinga-se. Aqui podemos dizer que ela foi literalmente dona de seu destino e interferiu no destino de outras pessoas. É fria ao vitimar os inimigos, e por fim seus próprios filhos, com o intuito de enfraquecer e culpar Jasão pelos acontecimentos trágicos.
    Qual seria a culpa que estes infelizes iriam expirar?- O seu crime é ter Jasão como pai; e um crime ainda pior; ter Medeia como mãe. Eles devem ser mortos, não são meus... Devem morrer: são meus... Eles não têm culpa, não fizeram nada de mal: são inocentes, confesso-o... Mas meu irmão também era inocente!- Ó minha alma, tu vacilas. Por quê? Por que as lágrimas banham o meu rosto, porque sou arrastada por impulsos contraditórios, entre o ódio e o amor? Uma dúplice agitação produz esta incerteza.
    (SÊNECA, aput,VARGAS, 2008.p72)
    No texto se percebem os sentimentos contraditórios de Medeia. A intenção era transferir para Jasão a responsabilidade por seus crimes.
    Alcmena por sua vez foi uma mulher também poderosa, e desempenha um papel mais manipulador, quando pede, em resposta ao pedido de casamento, que seu noivo vá vingar a morte de seus entes. Sozinha, carente, linda e poderosa, ela atrai o deus Zeus, que era apaixonado por ela. Este se metamorfoseou em Anfitrião e foi ao encontro dela, que o aceitou por reconhecer ser seu noivo. Quando Anfitrião retornou, a bagunça se formou. De acordo com Vargas, (2008, p.66), dá pra imaginar a confusão que isso originou. Alcmena não teve como se defender, uma vez que ela também tinha sido enganada. Sofreu a ira do noivo, foi salva por Zeus, e recebeu ao perdão do noivo. A mulher que aparece em Alcmena é a que foi enganada por um deus, mas sofre as punições dos mortais tendo que lutar contra o preconceito dos humanos e a fúria das deusas, e ainda gerar em seu ventre dois filhos de dois pais diferentes. A literatura parece condená-la por ter sido egoísta e ter mandado seu noivo vingar seus mortos para merecê-la. O heroísmo de Anfitrião também dependeu da atitude de uma mulher, que como as outras sofreram muito depois.
    Em todas as histórias, o amor gera conflitos, vingança, crimes, conduzindo à insanidade e irracionalidade. Nos heróis dos três clássicos percebe-se que a razão era predominante, o que os tornava viril e frio, enquanto nas mulheres a emoção dominava, tornado-as vulneráveis. Indicam sobretudo que as mulheres agem pelo impulso de uma paixão, perdendo a credibilidade. Na verdade os heróis se fortaleceram com as tragédias que as mulheres provocaram, ou pela piedade ou pela superação da dor; o que os torna superiores.

    REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    VARGAS, José Ernesto de Estudos Literários I, Florianópolis: LLV/CCE/UFSC, 2008.
    HTTP://www.campusvirtual.ufsc.br/mod/resource/view.php?id=6466/ Eneida.pdf. Acessado em 20/11/2008.
    HTTP://www.campusvirtual.ufsc.br/mod/resource/view.php?id=6466/ Medeia_de_Seneca.pdf. Acessado em 20/11/2008.
    HTTP://www.campusvirtual.ufsc.br/mod/resource/view.php?id=6466/anfitrião_-_Plauto.pdf, Anfitrião_-_Plauto.pdf Acessado em 20/11/2008.
    HTTP://wikipédia.org.wiki/alcmena. Acessado em 22/11/2008.
    http://wwwfernandannemann.recantodasletras.com.br/visualizador.php?dt=449901. Acessado em 28/11/2008.
    HTTP://pt.wikipedia.org?wiki/Mulheres_da_Antiga_Roma. Acessado em 28/11/2008.
    www.paideuma.net?Zélia4.doc. A função didática das tragédias de Sêneca. Acessado em 28/11/2008.
    HTTP://www.fazendogenero8.ufsc.br/sts/ST70/ Paulo_Henriques_da_Fonseca_70.pdf. Acessado em 28/11/2008.
    WWW.geotices.com/textossbec/arlete.doc. A face feminina de Virgilio.Acessado em 28/11/2008.

    12 de Maio de 2009 11:12

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  6. GREGÓRIO DE MATOS, UM PORNÓGRAFO

    Edelcio Luiz Lopes

    Existe uma faceta do poeta Gregório de Matos Guerra (1633-1695) que possivelmente ficou travestida durante a sua vida, sendo descoberta somente mais tarde, juntamente com a preciosidade de seus escritos. Neste lado de seu caráter, ele deixa irrevogável o ódio que mantinha enrustido quanto ao coito. Sublinha, sem meias palavras, as mais obscenas cenas do ardor amoroso, que mesmo fazendo parte do cotidiano dos fetiches, pouco se atreveria a desnudar, em pleno século 15.
    A forma exacerbada com que branda as palavras, também torna nu a qualquer olho, o potencial pornógrafo que habitava em seu íntimo. Essa faceta, nem tão perversa quanto parece, se mostrou em determinados momentos de forma efusiva e, em outras, ficou legada a um segundo plano, talvez como forma de esconder seus desejos reprimidos e as formas pelas quais, efetivamente sentia prazer – uma situação corriqueira nos dias atuais.
    Comum hoje, este tipo de comportamento não encontrava qualquer paralelo naquele tempo, quando o sexo era desencadeado pelo buraco das roupas de dormir, com o santo virado para a parede e com nuances bem mais sutis que as de hoje em dia. Deixar fluir estas vontades, enaltecer as fantasias e falar abertamente que o amor nada mais é do que o ato sexual em si, devera ter sido um amplo exercício de introspecção, com permissão para fluir os seus mais vigorosos desejos.

    O amor é finalmente
    um embaraço de pernas,
    uma união de barrigas,
    um breve tremor de artérias.
    Uma confusão de bocas,
    uma batalha de veias,
    um reboliço de ancas,
    quem diz outra coisa, é besta.

    Reduzir o amor ao coito, ao prazer gratuito do sexo, desprovido de qualquer tipo de sentimento e emoldurado no exercício cavalar do vai-e-vem foi, talvez, o seu passaporte para o descalabro. A partir desta constatação, tudo que se falasse sobre o amor, resumir-se-ia ao ato sexual. À função mecânica da ereção e ao abrir de pernas sem vontade. Nada mais se estabelecia em seu íntimo como pseudônimo para fazer amor, amar gratuitamente, que não o sexo.
    Amparado por esta máscara leviana e covarde, Gregório de Matos Guerra seguiu focando este momento de seus poemas no escracho. Mergulhou suas lamúrias em situações onde o fetiche se evidenciava mais que qualquer outra coisa. Tornou-se cego e cético para os sentimentos, resumindo sua existência ao exercício do gozo gratuito, do prazer desmedido e da cavalar vontade de fornicar, com quem quer que fosse. Ou, ainda, a intimidar.
    Seus recados bem direcionados revelavam mais do que hormônios transpirando. Mostravam fantasias eróticas e graciosas que ainda hoje permeiam a mente humana. O que causava letargia em suas palavras era a coragem de expor estas vontades de maneira tão bruta, sem qualquer polidez e usando espécie de xingamentos para atingir o seu contento. Gregório de Matos Guerra foi mais que um tarado ninfomaníaco, se sua obra reflete a realidade de seus dias.
    Garanhão de letargias francas, nestes momentos de intensa excitação, conduzia seu pensamento com olhos voltados ao orgasmo. Era como se revelasse sua verdadeira face para quem quisesse ver. Ou, talvez, deixasse transparecer um pouco de seus mais secretos desejos. Esta segunda hipótese pode ser rechaçada pela exposição que seus poemas trariam, mesmo que muito tempo depois de ele morrer. Ficou incrustada em seu viver, a taradice desmedida de suas fantasias.
    A fantasia, como o próprio nome já diz, é algo que se imagina. Cria-se uma situação possível e, a partir daí, deleita-se com o desenrolar dos acontecimentos. Com Gregório, estas supostas fantasias rompiam os limites da imaginação e simbolizavam, de forma clara, uma espécie de raiva incontida, que se amparava na sexualidade para aflorar. Uma espécie de transtorno mental que se misturava à agressividade e só cessava quando era compelido pelo gozo.
    Não é possível imaginar que o poeta descrevera aquelas cenas em situação diferente, que se não a de excitação. Também é pouco provável que elas sejam fruto de situações reais, por ele vividas na plenitude. A conclusão que se chega, então, ao estudar os poemas pornográficos do autor – que alguns preferem chamar de satíricos – é que ele formatava uma espécie de roteiro dos seus mais pervertidos desejos e os colocava no papel.
    Da branca folha tomada pelas palavras, nascia o desejo compulsivo, amparado pela fantasia tornada real, e pela efetivação do fetiche. Ler aqueles rabiscos era um fator motivador da compulsão pelo sexo diferenciado. Provável que Gregório tenha se masturbado infinitas vezes, lendo a materialização da sua imaginação, já que o exercício de solidificar os desejos é um dos mais sólidos estimulantes do sexo. E isso não é cultural.
    Caso estivesse atrelado à cultura dos tempos, o poeta não teria a audácia de difundir o sexo gratuito, permeado por mazelas que chegam à sodomia. E não trataria tal tema com tamanho amargor, já que o sexo em si, trazia-lhe um prazer imensurável. O que Gregório não deixa entender, é a dualidade que existe entre os seus poemas pornográficos e as amorosas palavras que deixava fluir, em situações diferenciadas de seu cotidiano.
    Tal como se escondesse outro por dentro, o autor dilacerava corações com sua caneta. Não deixava transparecer, nestes momentos, sua face mais pura, embalada pelo sexo diferenciado, extremo, cheio de coisas fora do comum. Duas facetas de alguém que usava a pornografomania ao seu prazer. Patologia reconhecida no meio científico, esta doença encontra lugar até no mais santo dos homens e desnuda o caráter mais sólido que se tem notícia.
    Gregório de Matos Guerra era um doente. Usava sua pena para atacar a freira que não lhe ia com a cara. Atacava a coitada pelo que há de mais prezado entre as religiosas, que é a castidade. Ao chamá-la de puta, estabelecia uma situação da qual era difícil de se defender, porque feria-se o âmago mais preservado. Descrever situações que a expunham ao ridículo era seu deleite. Convencer os outros de que isso ocorria, era uma guerra entre Sansão e Golias.

    Se Pica-flor me chamais,
    Pica-flor aceito ser,
    mas resta agora saber,
    se no nome que me dais,
    meteis a flor, que guardais
    no passarinho melhor!
    Se me dais este favor,
    Sendo só de mim o Pica,
    e o mais vosso, claro fica,
    que fica então Pica-flor.

    A pica, desde muito tempo figura como sendo o órgão sexual masculino. E a flor simboliza a genitália feminina. Travestidas na subjetividade, as palavras formam um contexto desrespeitoso mas cheio de desejo. Como se dizer: posso possuir-te, comer-te até o talo. Não era uma provocação vã. Pelo contrário, ela tinha endereço certo e atingia seus objetivos, mesmo que somente para Gregório, em seus momentos de perversão aflorada.
    Em seus tercetos e décimas, ele andava por este mesmo caminho, fazendo do duplo sentido das palavras um escudo típico dos covardes. A vida das freiras era distorcida por Gregório, também por fatores culturais. As internas destes pensionatos, geralmente eram filhas de senhores de posse. Iam para lá a fim de levar uma vida digna, pautada pela fé, religiosidade e com a certeza de que o futuro não traria desagrado aos pais.
    Na prática, muitas vezes, estes acontecimentos eram mera ficção. As moçoilas saiam de lá grávidas, escarnadas e legitimando uma vida desregrada. Gregório brincava com esta situação e, ao mesmo tempo, defendia-se da freira que lhe apunhalava. Descrevia, portanto, situações que julgava acontecer por detrás das paredes dos conventos. Muitas delas pareciam o combustível para sua compulsão sexual, lhe atarantando a cabeça e trazendo prazer voraz.

    Alto : vou-me meter Frade
    Na ordem de Fr. Tomás,
    Serei perpétuo lambaz
    Do ralo, da roda, e grade :
    Mamarei paternidade,
    Deo gratias se me dará,
    E apenas se me ouvirá
    O estrondo do meu tamanco,
    Quando a freira sobre o banco
    No ralo me aguardará.

    Daí para a grade iremos,
    E apenas terei entrado,
    Quando o braço arregaçado
    Aos ofícios nos poremos :
    E quando nos não cheguemos
    (porque o não consentirá
    a grade, que longe está)
    o seu, e o meu coração,
    porque vá de mão em mão,
    irá na barca pá.

    O poema “A freira: ralo, roda e grade” descreve um possível fetiche. É fajuto do ponto de vista prático, já que enseja carícias mútuas pela masturbação entre os invólucros espaços que as freiras tinham para receber seus visitantes. De qualquer forma, deixa claro que a imaginação ia além de qualquer tipo de pudor, já que atingir a classe era seu deleite preferido, neste tipo de poema. E, novamente, atacar o que elas tinham de efetivo, era seu objetivo.
    Mas a putaria transferida para o papel não se motivou nem findou com o episódio da freira que perseguia Gregório de Matos Guerra. Pelo contrário, a sua existência foi apenas um subterfúgio para aflorar ainda mais esta sua veia sincera. O autor divagava por diversas formas de perversidade sexual e a linguagem chula era sua parceira nestas empreitadas. Zombar, mostrar desprezo e rotular, tornaram-se exercícios contínuos.
    Estais dada a Bersabu,
    Chica, e não tendes razão,
    Sofrei-me Maria João,
    pois eu vos sofro a Mungu:
    vós dais ao rabo, e ao cu,
    eu dou ao cu, e ao rabo,
    vós com um Negro diabo,
    eu com uma Negrinha brava,
    pois fique fava por fava,
    e quiabo por quiabo.
    Vós heis de achar-me escorrido,
    não vo-lo posso negar,
    eu também o hei de achar
    remolhado, e rebatido
    assim é igual o partido,
    e mesmíssima a razão,
    porque quando o vosso cão
    dorme c’oa a minha cadela,
    que fique ela por ela,
    diz um português rifão.
    Vós dizeis-me irada e ingrata,
    c’oa a mão na barguilha posta”
    eu me verei bem disposta”
    e eu digo-vos: “Quien se mata?”
    eu vou-me à putinha grata,
    e descarrego o culhão,
    vós ides ao vosso cão,
    e regalais o pasmado,
    leve ao diabo enganado,
    e andemos c’oa a procissão.
    Chica, fazei-me justiça,
    e não vo-la faça eu só,
    eu vos deixo o vosso có,
    vós deixai-me a minha piça:
    e se o demo vos atiça
    mamar numa e noutra teta,
    pica branca e pica preta,
    eu também por me fartar
    quero esta pica trilhar,
    numa grêta e nutra grêta.
    Dizem que o ano passado
    mantínheis dez fodilhões
    branco um, nove canzarrões,
    o branco era o dizimado,
    o branco era o escornado,
    por ter pouco, e brando nabo;
    hoje o vosso sujo rabo
    me quer a mim dizimar,
    que não hei de suportar
    ser dízimo do diabo.
    Chica, dormi-vos por lá,
    tendo de negros um cento,
    que o pau branco é corticento,
    e o negro jacarandá:
    e deixai-me andar por cá
    entre as negras do meu jeito,
    mas perdendo-me o respeito,
    se o vosso guardar quereis,
    contra o direito obrareis,
    sendo amiga do direito.
    Sois puta de entranha dura,
    e inda que amiga do alho
    sois uma arranha-caralho
    sem carinho, nem brandura
    dou ao demo a puta escura,
    que estando a tôdas exposta,
    não faz festa ao de que gosta;
    dou ao demo o quies vel qui,
    e não para quem a encosta.
    Quem não afaga o sendeiro,
    de que gosta, e bem lhe sabe,
    vá-se dormir cuma trave,
    e esfregue-se num coqueiro:
    seja o cono presenteiro,
    faça o mínimo agasalho
    ao membro, que lhe dá o alho,
    e se de carinho é escassa,
    ou vá se enforcar , ou faça,
    do seu dedo o seu caralho.

    Em “Décimas”. Gregório de Matos deixa transparecer que as negativas nunca lhe caíram bem. A puta Chica, que para tantos dá, não poderia negar-lhe o ato porque este não seria seu direito. Nem ir com seu cão ao invés de deitar-se com ele. A negativa era o sentido retórico do prazer incontido, sagaz, mas não aflorado. Causava-lhe fervor de nervos se não era aceito e a forma mais clássica da defesa – o ataque – lhe permitia injuriar.
    Diz que o branco esposo era o menos provido de dote sexual e aceitava ser dizimado. Mas ele não, porque tinha a opção de deitar-se com outras, para satisfazer seu prazer. Transformando este pressuposto em empecilho, escapava de seu verdadeiro ardor, que era a fantasia. Mas até mesmo a fantasia para ser plena precisa de colaboração. E Gregório não encontrava esta reciprocidade diante das negativas, ficando baratinado.
    Os casos amorosos de outros, também lhe atiçavam a imaginação. Tanto, que Gregório formava poemas narrativos de situações que ouvira falar. Tipicamente voyer, o autor debruçava-se sobre o papel para contar a transa alheia, sugando dela o sumo da perversão e, sarcástico, perpetuava a história. Por certo, tais narrativas lhe causavam furor e inveja, pois sempre nota-se algo depreciativo neste tipo de poema, feito para caçoar dos que caíram na boca do povo.

    Brás pastor inda donzelo,
    Querendo descabaçar-se,
    Viu Betica a recrear-se
    Vinda ao prado de amarelo:
    E tendo duro o pinguelo,
    Foi lho metendo já nu,
    Fossando como Tatu:
    Gritou Brites, inda bem,
    Que tudo sofre, quem tem
    Rachadura junto ao cu.

    O tom jocoso denuncia que, para Gregório, poucos seriam capazes de espasmos prazerosos, que não ele. E tudo que lhe surgisse como fraqueza, era motivo de chacota. Quando isso ocorria, o mesmo fervor de palavras usadas para descrever suas perversões sexuais, aflorava. Deixava a subjetividade contextualizada de maneira a indicar que seu alvo não lhe prestava.

    Dizem que o vosso cu, Cota,
    Assopra zombaria,
    Que aparece artilharia,
    Quando vem chegando a frota:
    Parece, que está de aposta
    Este cu a peidos dar,
    Porque jamais sem parar
    Este grão-cu de enche-mão
    Sem pederneira, ou murrão
    Está sempre a disparar.

    De Cota o seu arcabuz
    Apontado sempre está,
    Que entre noite, e dia dá
    Mais de quinhentos truz-truz:
    Não achareis muitos cus
    Tão prontos em peidos dar,
    Porque jamais sem parar
    Faz tão grande bateria,
    Que de noite, nem de dia
    Pode tal cu descansar.

    Cota, essa vosso arcabuz
    Parece ser encantado,
    Pois sempre está carregado
    Disparando tantos truz:
    Arrenego de tais cus,
    Porque este foi o primeiro
    Cu de Moça fulieiro,
    Que tivesse tal saída
    Para tocar toda a vida
    Por fole de algum ferreiro.

    Um poeta tão rude, mascarado em suas convicções e que se expunha de maneira tão vil, poderia ter a mesma sinceridade diante das doces palavras? Parece que Gregório sim. Quando isso acontecia, sua faceta menos animalesca e mais racional, deixava transparecer alguém telúrico, sensível às emoções. Assim sendo, o homem rude, que buscava prazer pela ânsia do gozo, parecia ficar estacionado num canto qualquer de sua personalidade.
    “Anica” parece ter permeado estes caminhos, algumas vezes. A sutileza com que dela falava, fazia lembrar o desejo sutil, mesmo aflorado. Talvez ela servisse como algo mais do que uma simples escrava sexual de seus desejos incontidos. Ela era a simbologia da beleza, que fazia esquecer as mazelas que a busca pelo gozo faz percorrer. Consolidava o amor pelas sensações mútuas, somadas e ampliadas. Não era simplesmente um buraco a meter, mesmo que, em algumas situações, ele queria somente “fodê-la”.

    Não te posso ver, Anica,
    por mais que Amor me desperte,
    que tu és muito tirana,
    e serás ingrata sempre.
    Se foras compadecida,
    não cessara de querer-te,
    pois a beleza humanada
    adquire mil interesses.
    Inda assim eu quero, Anica,
    que tu me mates mil vezes
    com os raios da tua ira
    mais do que com te esconderes.
    Porque és, Anica, tão bela
    que a alma, que por ti se perde,
    não pode deixar de ter
    muitas glórias aparentes.
    Permite por esta vez,
    que o teu resplendor contemple,
    para ofertar-lhe mil vidas
    hoje em holocausto breve.
    E se acaso é divindade
    a beleza, quem se atreve,
    sendo bela, a ser ingrata,
    se os atributos desmente?
    Havemos de acomodar-nos
    na porfia de querer-te,
    matem-me embora os teus raios,
    porém aparece sempre.
    Mate-me a tua isenção,
    que eu não cesso de querer-te,
    consumam-se os teus rigores
    com condição de me veres.

    Os sentimentos de qualquer ser humano são escalonados em fases. Umas mais agudas, outras, mais brandas. Ocorre que, quando se extrapola as fronteiras de um em detrimento de outro, mostram-se as faces do desejo. Na libido, este caminho é corriqueiro e acontece com uma freqüência não mensurável. Pelo simples ato de dar vida ao desejo, permite-se ir além, derrubar a cerca, não medir as conseqüências, sem lastimar depois.
    Gregório enseja tudo isso e um pouco mais. Deixa travestida uma raiva incontida de algumas situações que envolvem a sexualidade. A impotência, assim como a falta de tato durante o ato sexual, são desencadeadores de situações fantasiosas, que pos si só, cumprem o papel de gerar uma falsa satisfação, como se fosse possível lhe reverter com a imaginação. Imaginando o ato mais chulo, ele pensara estar contornando sua deficiência.
    * Observada sob um prisma evolucionário, a impotência sexual masculina de origem psicológica passa a ser encarada como decorrência de um mecanismo psicológico sofisticado que evoluiu como uma adaptação, ou seja, um traço fenotípico desenhado pela seleção natural, com especial ênfase na seleção sexual. A disfunção em si não foi selecionada, mas sim a capacidade de inibição do impulso sexual em contextos sociais apropriados.

    REFERÊNCIAS

    CARDOSO, Silvia Helena: Como o Cérebro Organiza o Comportamento Sexual. Revista Cérebro & Mente, 3 (nov 1997).
    DAMASCENO, D. Os melhores poemas de Gregório de Matos. 5ª ed. – São Paulo: Global, 2000.
    ARAÚJO, Ruy Magalhães. Metalinguagem Fescenina de Gregório de Matos Guerra –
    PEREIRA, Marcos. Os Versos Satíricos de Gregório de Matos e Tobias Barreto: Uma Visão do Barroco e do Realismo no Brasil

    http://www.literaturabrasileira.ufsc.br/arquivos/texto/0006-00962.html
    http://www.filologia.org.br/revista/artigo/5(14)65-76.html
    http://www.webartigos.com/articles/1746/1/os-versos-satiricos-de-gregorio-de-matos-e-tobias-barreto-uma-visao-do-barroco-e-do-realismo-no-brasil/pagina1.html

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  7. Refletindo sobre o Sermão da Quinta Dominga da Quaresma (1654)

    Hiana Cristina Pinto

    O Padre Antônio Vieira, conhecido por sua maneira diferente e inovadora de pregar, analisa, no Sermão da Quinta Dominga da Quaresma (1654), a mentira. Segundo o irreverente autor, a mentira alastrava-se em escala assustadora no Maranhão. E por este motivo o sermão proferido tinha como objetivo conscientizar a população sobre o perigo que as mentiras constituíam, não apenas para a sociedade como um todo, mas para cada indivíduo. Foram também abordados caminhos que uma verdade pode tomar até se tornar uma mentira.
    Segundo Vieira, a mentira no Maranhão era muita. A forma como o escritor exemplificou situações que poderiam dar início a uma mentira, ou a uma fofoca, é exaustiva. Ao realizar a leitura do texto percebe-se que, apesar da mensagem nele contida ser algo de valor, a repulsa à mentira, a maneira cansativa como o padre fala disso acaba deixando, ao menos aos leitores mais objetivos, certa sensação de enfado. É possível que os ouvintes do Padre Antônio necessitassem ouvir a mesma informação repetidas vezes para assimilá-la, e neste caso seria perfeitamente aceitável a repetição de que faz uso o padre, não apenas neste, mas em outros sermões. No entanto, aos que não precisam de explicações tão detalhadas e minimalistas, o texto pode tornar-se, apesar do bom conteúdo, enfadonho.
    Apesar das repetições, desnecessárias aos leitores atuais, é fato que o uso de exemplos bíblicos, como Jesus e os apóstolos e vários outros personagens da Bíblia, valoriza e embasa significativamente o sermão proferido por Vieira. É notável o uso de versículos bíblicos em sua fala. A maneira como a autor faz um paralelo entre Jesus e os apóstolos nos tempos bíblicos e as pessoas que, apesar de não terem intenção, proferiam mentiras por falta de entendimento com relação a mensagem que lhes foi repassada, por exemplo, constitui-se característica marcante em seu discurso. Mesmo com o uso apropriado de exemplos bíblicos é perceptível que o discurso como um todo contém demasiados exemplos. Ou seja, um mesmo assunto é repetido várias vezes, no entanto, um turbilhão de citações e exemplos são incorporados ao texto, o que o torna, por vezes, uma leitura “pesada”.
    Outro ponto que merece atenção é a conclusão do sermão. Sua principal idéia remete-nos a cultivar uma boa conduta perante Deus. Sem dúvida o texto seria mais rico, e talvez exercesse mais influência sobre os ouvintes, se o que deveriam fazer, e não o que não deveriam, fosse mais ressaltado.
    O Sermão da Quinta Dominga da Quaresma é uma obra digna de respeito. Os exemplos e ilustrações foram bem usados, ainda que demasiadamente. A intenção era ótima, salvar os fiéis da mentira e suas conseqüências. É necessário, porém, ter real gosto pela literatura e, especialmente pelas obras do Padre Antônio Vieira, para ter prazer em tal leitura.

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